O amadurecer de João 8

Esta é uma das incontáveis histórias sobre os primórdios de João 8 (assim mesmo, sem hífen, aspas ou nada do gênero). Sim, João 8, amigo do Grande S (que não gosta de ser chamado de grande, pois é modesto) e de Martelo.

Como dito, essa é uma de minhas primeiras histórias. Na época, não conhecia Martelo e só havia ouvido falar de S. Uma história tão antiga, mas tão antiga mesmo, que a lendária amizade entre Nial e eu ainda estava sendo forjada.

Nessa tempo, João 8 não se chamava de João 8 (vou referir-me a mim mesmo na 3ª pessoa, é mais interessante) e tinha outros amigos: a bela, porém triste, ou a triste, porém bela Arwen, Niel (não confundir com Nial, irmão de S), Nico e Terrível (que não era terrível).

Eu era criança e ela era criança, minha doce Arwen. E como crianças tínhamos aventuras formidáveis. Claro que nos amávamos. Claro que não admitíamos isso nem para nós mesmos, mas nos amávamos. E isso não importa nessa história. Ou importa, pensando bem.

Deixo novamente claro que foi há muitos e muitos anos já, embora a terra não fosse além-mar. E minha infância foi há tanto tempo que não havia internet. Porra, eu nem sabia o que era computador na época. Acho que ainda tava naquela de ler mônica e cebolinha e assistir duck tales (“tio patinhas”, como a gente chamava) no SBT. A grande maioria das ruas ainda eram de pedra e poucas árvores haviam. Uma na minha esquina, outra na de Niel e Arwen, não uma em toda porta como hoje.

Naquele tempo, crianças eram crianças até serem bem mais velhas do que costumam deixar de ser hoje. Não conheciam mais do que dois ou três quarteirões, exceto o da escola, se fosse longe. Mas não costumam ir longe. Porra, isso foi há tanto tempo que ainda se brincava de “se esconder” (pois “esconde-esconde” nunca foi um termo muito usado) à noite. Éramos ingênuos.

E João 8, como dizem por aí, sempre foi muito bom. Além da média. Perfeito, ou quase. Só faltava ser modesto. E como todo mundo com tais qualidades, ele despertava inveja de seus amigos. Terrível, numa tentativa de ser tão bom quanto João 8, queria ter tudo que ele tinha, ser tudo que ele era. Inclusive, queria importar tanto para Arwen quanto João 8 importava. Assim, ele vivia propondo desafios.

Em uma noite, há muitos e muitos anos já (adoro esse trecho de Annabelle de E. A. Poe), estavam os quatro reunidos no portão de João 8. Arwen parecia triste, depressiva, talvez doente. Tava tão estranha que não quis entrar nem pra assistir os desenhos da Rede Manchete. Niel, seu preocupado irmão disse que seria bom se tivéssemos a maçã para dar a ela. “A Maçã” seria a maneira correta. Quem não viveu o suficiente para saber de qual maçã falo, quem nunca a viu, assentada num pires, no meio duma rua estranha, cheia de mafiosos, não merece que eu explique de que se trata. Basta dizer que “A Maçã” podia curar qualquer ferida, dava ânimo pra continuar quando tudo parecia perdido. Melhor que “A Maçã” existia apenas o raro Frango. Mas encontrá-lo seria o mesmo que ver um milagre…

O que importa é que Terrível disse saber onde encontrar tal Maçã. Disse que tinha certeza que encontraríamos na terrível selva (para Terrível, tudo era terrível) que se encontrava ao final da rua, após atravessar o rio e além de onde os olhos podiam distinguir. Daria uma caminhada e tanto até lá. Uma hora ou mais. Claro que ninguém teria coragem de ir lá, pois o destino que aguardava quem quer que fosse seria terrível… Provavelmente uma surra dos pais e uma semana ou mais de castigo…

João 8 não tinha medo. Entrou em casa, calçou seu chinelo e começou a andar, sem nada dizer. Niel perguntou aonde ele iria. “Não está claro, idiota?”, respondera Terrível com outra pergunta. “Ele vai pegar A Maçã!”.

E foi isso que ele fez. Andou por quarenta minutos, se esgueirando pelas sombras, com medo de ser visto. Atravessou o assustador rio (um beco com cano estourado, meio inundado). Desafiou duas Bestas Infernais quase de seu tamanho, só escapando por subir num poste. Enfim, chegou à selva. Ou quase. Enormes paredes de pedra e um portão do mais puro e reluzente aço a guardavam. Parece que a selva tinha dono… Por três vezes João 8 tentou escalar as pedras e por três vezes caiu, na última cortando seu joelho tão profundamente que chegou a sangrar. Desapontado, iniciou seu caminho de volta, sem a Maçã…

Ao chegar, com os olhos cheios de lágrimas, não pelo corte no joelho, pois João 8 sempre foi homem, mas sim por falhar em sua missão, encontrou uma preocupada Arwen na esquina, sentada no meio-fio, esperando por ele. Sábia como só uma mulher dois anos mais velha conseguia ser, ela o abraçou forte (único abraço que ele conseguira dela em todos esses anos).

– Sinto muito, Arwen, eu falhei. Por minha causa, você vai continuar doente…

Nisso ela me abraçou, digo, abraçou João 8 mais forte e ele pôde sentir seu sorriso pelo ar quente que atingia sua orelha…

– Shh… Às vezes, meu amigo, meu bom e fiel amigo, o que importa é a trilha que percorremos e não o destino a que chegamos. Ouso dizer que quando crescer entenderá isso melhor do que eu…

E assim ficamos, por um bom tempo, abraçados. Minhas lágrimas molhando seu ombro, sua mão em minha cabeça, como mais que amigos, mais que irmãos, mais que amantes. Como crianças que começavam a descobrir o sentido desse mundo tão sem sentido em que vivemos…

-- João Octávio Anderson Trindade Boaventura
João 8, S e Nial criados por Lorde ShadXen.
Arwen, Niel e Terrível criados por mim.
História adaptada de um texto escrito 8
anos atrás por mim