Requiém para um amigo

Quando ele chegou à minha casa, eu pouco mais era que uma criança: inocente, não percebi que aquele recém-nascido não seria criado como um amigo ou irmão, mas, no máximo, como um escravo.

Os anos foram passando e, embora eu fizesse todo o possível para aliviar seu tormento (quão tormentosa é a ausência da liberdade!), para diminuir seu sofrimento (fazia tarefas que seriam tipicamente suas, alimentava-o com minha comida, etc), ele parecia envelhecer bem mais rápido que eu.

Vale salientar que, quando jovem, ele não parecia se importar muito com sua condição de escravo: minha amizade era suficiente para faze-lo feliz e livre por alguns minutos. Sim, éramos amigos inseparáveis quando crianças: nas noites de chuva, eu abria minha janela e o deixava dormir na minha cama, tal qual fosse um irmão, um filho, ou um amante.

Infelizmente, os anos foram passando e eu fui crescendo. Não mais o procurava para brincar, não pedia sua opinião sobre mulheres – meu pobre amigo fora castrado ainda jovem – e não discutia os mais sérios assuntos com ele – como um ser sem instrução nenhuma poderia me ajudar a achar solução para os problemas que percorriam meus pensamentos?

Enquanto eu crescia e dele me distanciava, sua condição de serviçal foi se tornando mais clara: nossa propriedade foi invadida diversas vezes e ele, sozinho, teve de expulsar os invasores. Isso, mais o fato de que sua alimentação se tornara precária com minha ausência – muitas vezes ele tinha que caçar para sobreviver – foram debilitando sua saúde, catalisando o seu processo de envelhecimento. Hoje, boa parte de seus dentes já caiu, sua audição não é mais mesma e ele está quase cego de um olho.

Poucos dias atrás, enquanto eu estava fora, ouviu-se um barulho estranho no terreno que cerceava a casa. Quando criaram coragem para ir ver o que estava acontecendo, viram que meu velho amigo travava novamente uma batalha, cumprindo seu dever de servo leal e protegendo seus mestres a qualquer custo. Tal batalha ele venceu sozinho, mas o preço cobrado fora alto: seu coração não aguentou e, doente, ele tombou.

Quando cheguei em casa, encontrei todos em luto: ele, que se tornara mais que um servo, mais que um bom amigo, estava morrendo, e nada podia ser feito. Nada, a não ser orar pela sua alma.

Espero, grande amigo, que Odin reconheça que morreste em decorrência de uma batalha e que te reserve um lugar de honra no Valhala. Espero que quando minha hora chegar, eu possa te reencontrar lá.

(eu sei que o conto está bem aquém dos anteriores, mas foram uns 3 meses ou mais sem escrever nada e a versão original dele foi roubada junto do meu notebook anterior. Prometo tentar melhorar os próximos textos)

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