A Vida de Joe

Constantemente, Joe desejava que sua vida fosse um livro. “A Vida de Joe”.

Poderia ser de qualquer gênero. Se fosse uma fantasia medieval, Joe seria um jovem mago em busca de iluminação e poder sobre a natureza. Ou um já velho, pesaroso sobre os erros pretéritos. Talvez fosse um guerreiro bárbaro, em busca de aventuras nas cidades civilizadas. Poderia também ser um nobre, destituído de suas posses, sem nada além de memórias da vida de outrora e um forte desejo de vingança.

Poderia ser um livro noir, no qual ele seria um detetive em fim de carreira, arrastando para um grande caso envolvendo a máfia por uma linda mulher de cabelos curtos e longas curvas, com um sinal na extremidade direita do lábio e uma voz suave, quase um sussurro, capaz de deixar qualquer homem fora de si.

Poderia ser uma história juvenil, no qual ele viveria altas aventuras com sua turminha da sexta série ao descobrir que o velho zelador era, na verdade, o filho mais velho de um nazista que se refugiou em sua cidade e, hoje, tinha planos terríveis para purificar o local.

Ou, quem sabe no ano de 2125,ele fosse um andróide, meio homem, meio máquina, preso na dualidade de suas naturezas enquanto singra o universo em busca de novos mundos.

Joe também poderia ser um escritor em crise, pressionado pela editora para entregar mais uma obra-prima. Ele iria alugar um quarto de uma velha senhora numa casa num subúrbio qualquer, acabaria se apaixonando pela sobrinha da velha, 12 anos mais nova do que ele (que teria 32) e o romance mal-visto dos dois pela cidade serviria de inspiração para sua maior obra.

Se fosse um livro de terror, Joe seria o monstro. Não porque ele fosse ruim. Em verdade, ele seria um bom rapaz católico do século XVIII que negociaria com os seres das trevas para salvar a vida se sua mãe. Assim, a cada três noites, ele seria possuído pelas entidades malignas, transfigurado e cometeria diversos homicídios. Nada de vampiros homossexuais ou lobisomens sem pelo, por favor.

Se sua vida fosse uma comédia, seria trágica, Joe tinha certeza. Mais do que isso, nesse gênero ele não ousava arriscar palpites.

Joe bem sabia que nem sempre as coisas terminam bem nos livros. Em muitos casos, ele poderia ter um fim trágico ou, vítima da maldição da imortalidade, ver partir todos que um dia amou, até nada restar no mundo, além dele e das baratas. Talvez até a elas ele sobrevivesse. Mesmo assim, seria extremamente confortador saber que sua vida era um livro. Isso implicaria na existência de um escritor, alguém responsável por tudo o que lhe ocorresse. Saberia que sua vida, por mais patética que fosse, teria um sentido, nem que fosse apenas entreter aqueles que o lessem.

Joe, na verdade, tinha uma vida extraordinariamente comum, sem graça. E isso o incomodava demais.

Para Padmé

Mas Padmé me mostrou aquilo que eu não ousava sonhar. Aquilo que eu não sonhava ser possível, me mostrou que todos os textos melosos, por pior que sejam, não seriam realidade.

Estou, além do possível, perdidamente apaixonado.

E que fodam-se a rima e a métrica, nada melhor que Padmé.


— J. Octávio,
noite de domingo, 9/3/2008,
totalmente embriagado.