Matemática e filosofia

Dêem uma olhada na questão matemática abaixo

1+2+4+8+16+32+… = X (1)

dividindo (1) por 2

0,5+1+2+4+8+16+32+…=0,5X (2)

substituindo (1) em (2)

0,5 + X = 0,5X

X – 0,5X = -0,5

0,5X = -0,5

X = -1

logo, a soma de infinitos termos positivos, começando em 1 e sempre duplicando, é um número negativo.

Matematicamente, já me disseram que devo estar cometendo algum erro nessa equação, mas nunca explicaram qual. Normalmente, dizem que é impossível somar os termos de uma progressão geométrica (esse tipo de coisa, quando multiplicamos o termo anterior por um número constante) de termos infinitos e razão (o número pelo qual multiplicamos) maior do que 1. Mas não considero isso resposta, pois dizem que 1+1/2+1/4+1/8+… = 2, usando o mesmo método de soma que usei (chamado por um professor de “método grego”) ou usando a fórmula própria para isso que nunca consegui decorar e não tenho saco de tentar deduzir ou procurar aqui. Mas o que me interessa aqui não é provar que estou certo ou não, mas as conseqüências filosóficas caso eu esteja.

Todo mundo sabe que biologia é a ciência da vida (logos=conhecimento, bio=vida). Embora não saiba a raiz etimológica da palavra, considero a matemática a ciência da vida humana. Por quê? Simples. Os animais não precisam saber porque estão vivos, ou porque as coisas são como são. Como diria Terry Pratchett, a única preocupação de um orangotango (ou chimpazé, não lembro, mas também não importa) é saber de onde virá a próxima banana. Ele, ao contrário do ser humano, não aparenta estar preocupado com a guerra no Iraque, com a fome na África, com o próximo disco do U2, ou com a soma dos quadrados dos catetos de um triângulo retângulo. Se pudesse falar, diria que nós, seus “primos” somos preocupados demais com besteira pouca.

“Criamos” (prefiro o termo “descobrimos”) a matemática com o objetivo de dar ordem ao caos que nos cerca. Com o objetivo puro e simples de não precisarmos sentir medo das coincidências que soam sobrenaturais (a relação entre os catetos e a hipotenusa, por exemplo), para facilitarmos nossas vidas, para acumularmos riquezas. Enfim, “criamos” a matemática como maneira de dominarmos o universo, já que ele agora não é algo “estranho, escuro e assustador”, mas algo perfeitamente compreensível para quem prestou atenção nas aulas de física, química e matemática (aliás, sem a última as anteriores não seriam possíveis, por isso o texto fala só da matemática). Nos “acendemos a luz” nos cantos sombrios das cavernas, passamos a enxergar certa lógica no movimento das galáxias e, embora ainda não saibamos o por quê, sabemos como surgimos. Ou pelo menos acreditamos que sabemos.

E por falar em crença, ela é algo essencial para o ser humano. Não a crença puramente religiosa, a fé cega. Eu já fui ateu um tempo e só voltei a ser cristão (católico) pois não conseguia ver “lógica” num universo em que eu deixaria de existir quando meu corpo falhasse. Mas vamos pular a parte da minha educação religiosa e nos centrar (ou tentar) no tema principal. O que eu quero falar sobre crença é que ela é imprescindível para o desenvolvimento humano. Segundo algumas teorias, o universo nem sempre foi ordenado, as coisas eram mesmo um caos. Fomos nós, humanos, que ao quantificá-lo, medí-lo, estudá-lo, criarmos regras para tentar entendê-lo, o “prendemos” a esta forma segura, lógica. A crença coletiva de que o universo não pode puro caos o fez deixar de ser. Tá conseguindo acompanhar? Segundo essa crença, nós criamos Deus para que ele pudesse nos criar. Algo meio paradoxal, mas que se reflete em outro trecho escrito por Terry Pratchett em “Direitos Iguais, Rituais Iguais” (não reproduzo a frase exata porque emprestei o livro pra um amigo). No livro, temos uma maga que quer teleportar o cajado até o local onde está. O narrador nos alertar que nenhum mago treinado faz isso porque o teleporte dobra o espaço, causando uma fenda temporal-gravitacional e um enorme refluxo de magia que, talvez eu esteja exagerando por não lembrar, poderia destruir o próprio mago antes do feitiço começar a surtir efeito. Em vez de teleporte, costumam fazer os bastões voarem até eles, já que todo mago treinado sabe que teleporte é impossível. Mas a jovem maga, por não ser treinada, não sabia que era impossível. Por isso mesmo ela consegue realizar o teleporte.

Voltando à matemática, ela foi criada pra servir de “desculpa racional” para as coisas impossíveis que acontecem por aí, tendo as coisas mais “malévolas” sido explicadas como impossíveis (divisão por zero, por exemplo). Mas resta aquela equação lá em cima, que ainda não me explicaram qual o erro dela…

Analisames suas implicações. Começamos com quase nada, e duplicamos. Novamente. Novamente. Sempre duplicando. Ultrapassamos a casa dos duodecilhões (1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000) e ainda assim prosseguimos. Conseguimos tudo aquilo que queríamos e não paramos. Continuamos sempre a conseguir mais. Chegamos ao limite da felicidade humana, mas, mesmo assim, seguimos em frente. No infinito (seria “no fim” mas esta soma não tem fim), conseguimos inclusive aquilo que não queríamos. E, ao ganharmos cada vez mais, de forma novamente paradoxal, começamos a perder. Você tem tudo, amigos, casa, mulheres, o universo. O céu NÃO é o limite. Mas, de alguma forma, conseguimos a nos sentir cada vez menos completos, cada vez mais vazios. E chegamos num ponto tal em que achamos que tudo o que realmente importava se perdeu, em que nos sentimos tão vazios que é como se no lugar de termos ganhado o infinito, perdemos tudo e ainda ficamos com a conta estourada, um câncer terminal, uma mulher adúltera, um filho drogado e uma filha de 14 anos que é prostituta e nos odeia, embora nos ame. Afinal, agora temos tudo. Mas seria melhor não termos saído do lugar, do ponto inicial, do que termos conseguido tudo isso a esse custo (talvez não seja “custo” mas apenas a conseqüência de ser dono do universo e além). Percebem o quanto aterradora tal questão é? É como Neil Gaiman, em sua série Sandman, no número 19 (“Sonhos de uma noite de verão”) sobre a tragédia pessoal de shakespeare. Ele tinha conseguido tudo o que já desejou na vida. Inclusive o que deixou de desejar.

Obviamente, tal “equação do negativo” não deve ter sido formulada com isso em mente. A maioria das melhores histórias quando estão sendo escritas não sabem o que vão ser quando forem terminadas. O guri que descobriu a fórmula pra soma dos termos das P.A.’s (progressões aritméticas) só não queria ter que somar de 1 a 100. Apenas percebeu que 1+100 é igual a 2+99, que é igual a 3+98 e por aí vai até 50+51. Somou o início, o fim e multiplicou por 50 (5.050 o resultado, pode somar um a um que vai dar isso). Essa minha equação inicial pode muito bem ter sido criada por nosso inconsciente coletivo logo nos primórdios apenas para nos dizer que não precisamos ir tão longe e que se formos as conseqüências não serão as melhores. Criamos isso, mas, assim como o mito do inventor da cadeira (ele criou, mas não sabia pra que servia. Sentou vários dias nela, pensando qual seria a utilidade do objeto até perceber que servia exatamente pra sentar), não percebemos de cara nossa criação.

Percebe-se a partir disso que todo o modelo de educação “capitalista selvagem” que nos é imposto desde a infância está errado. Não venham me chamar de marxista, pois mesmo os ideais deles sendo belos não acredito que sejam possíveis (quem iria querer se especializar, trabalhar, produzir mais, pra ganhar tanto quanto um preguiçoso qualquer?). O problema está simplesmente com essa mania consumista de TER, sem querer saber o PORQUÊ. Ao desejar algo, ao buscarmos um objetivo, devemos ter sempre em mente o motivo de busca. Pois como dizem (não lembro quem) “pra quem não sabe aonde ir, todos os caminhos estão errados”