O horizonte e a transitoriedade

E vamos deixando o dia, com suas chateações, estresses, metas e tudo mais para trás. Que a noite traga mais do que descanso, que traga vinho, músicas, boa companhia. Felicidade, enfim. Que o horizonte que fica não nos alcance com melancolia, que o Desconhecido a frente nos recepcione com deslumbramento. Partamos, mas não sem antes ferrar nossa insígnia, não sem antes garantir que não seremos olvidados. Para aqueles a quem fomos transitórios, mas nos tem como imanentes cito o grande Clóvis de Barros Filho: “Para trás, nem pra pegar impulso… Seu merda!”


Sim, cerveja boa e fotos legais me deixam eloquente.

A Melhor Vingança

Altair estava sentado no topo da colina já há algumas horas. Lembrou-se de sua infância, quando, em peregrinação, junto de muitos outros, tantas vezes lá subiram. Quando ainda tinha fé. Lembrou-se da adolescência, desperdiçada com bebidas e cigarros baratos, atrás de mulheres de valor semelhante. Lá, naquela época, também subia a colina, a pé, não movido pela fé, mas pela sensação de pertencimento. Pelo fato de tantos colegas subirem com o único objetivo de secar algumas garrafas de vinho longe da família.

Hoje foi diferente. Altair subiu a colina em sua velha pick-up, não para encher a cara, não por fé, mas apenas por precisar de um lugar tranquilo para pensar.

Seis meses atrás, sua vida começara a perder o prumo. Perdeu a mãe, seu irmão foi preso, seu cachorro pegou calazar. Por fim, há quatro meses, voltando mais cedo para casa, flagrou a esposa na cama com seu vizinho, Rogério. Ela partiu na semana seguinte, levando os dois filhos e dizendo que não precisava se preocupar com pensão, pois não eram dele.

Até então, Altair mal esboçara uma reação. Nunca se atrasou um dia sequer em seu emprego de atendente de telemarketing, jamais perdeu o futebol dos sábados com os amigos. Na verdade, até fez questão do Rogério continuar no seu time, já que era amigo de longa data e o melhor zagueiro que conhecia.

Não surpreendeu ninguém quando ontem, às 2 da tarde, três horas antes de fechar seu ponto, levantou de sua estação, colocou o fone na mesa e simplesmente saiu, sem falar nada. Tampouco houve qualquer tipo de comoção quando, meia-hora depois, chegou no bar de Seu Pedro e começou a beber, sozinho, até a hora de fechar. Muitos o viram lá, só, mas ninguém ousou se aproximar. Alguns homens, eles diriam, já estão quebrados há muito, apenas não caíram por não terem percebido. Foi exatamente assim com Altair.

Ali, no topo da colina, já curado de sua bebedeira, estava sentado, observando a cidade e esperando o sol nascer. Somente há pouco, quarenta minutos talvez, percebeu o que ocasionara essa dor, essa tristeza: a ausência da aliança em sua mão esquerda. Embora muitos já o tivessem visto roçar o anelar com o polegar, o mesmo ainda não tinha percebido o que essa ausência significava. Hoje, ele tinha sido inundado com essa percepção, com esse significado.

Altair subiu a colina pensando em morrer. Sentou-se, de madrugada, observando a estrela que inspirou seu nome, a 12ª mais brilhante no céu noturno. Altair, “aquele que voa”. Para alguém com um nome de tanto significado, ele passou muito tempo preso ao chão, agrilhoado por coisas mesquinhas, por vontades alheias às suas. Hoje ele percebeu que finalmente estava livre, que a aliança e toda sua vida pregressa nada mais eram que as grades e correntes que o prendiam. E, assim como os personagens do conto Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank ele fora “institucionalizado”: não iria jamais conseguir levar uma vida normal, livre, naquele lugar, fora de sua prisão. Por isso decidira morrer.

Quando os primeiros raios de sol banharam a cidade que fora seu lar por toda sua vida, Altair levantou-se devagar e deu as costas a tudo. Entrou em sua pick up, conferiu que seus principais pertences lá estavam (um violão, a foto dos pais, uma mochila com quatro peças de roupa e um livro de Gabriel Garcia Marques), deu partida e nunca mais voltou. Alguns diriam que morreu. Mas a verdade é que resolvera se vingar de todos: do chefe abusivo, do falso amigo, da esposa infiel. E nunca nenhuma vingança poderia ter sido melhor que a planejada.

Altair faria exatamente aquilo que menos se esperaria dele: iria ser feliz. E que todo o resto se lascasse.

Vinho, Mulheres e Música

Existems 3 coisas, 3 coisas apenas, capazes de tirar a dor da mortalidade e suavizar as tragédias da vida e elas são vinho, mulheres e música (Neil Gaiman, em Os Filhos de Anansi).

Minha citação preferida e uma das coisas mais certas da vida: com um bom vinho (ou sua bebida preferida), uma boa trilha sonora e a mulher perfeita ao lado, a vida torna-se mais fácil, mais digerível. Os problemas não são, nem de longe, aquilo que poderiam ser. O trabalho deixa de ser tão estressante quando você sabe que, não importa o que aconteça, poderá chegar em casa, tomar um banho, colocar uma boa música e ouvir ao lado de sua pequena enquanto tomam uma bohemia gelada, no aconchego do lar.

Agora, o que fazer quando ela nos deixa? Os mais sem coração, sem tato, dirão que devemos simplesmente procurar outra, esquecer. Mas nunca é tão fácil. Assim, os primeiros estágios devem envolver uma boa dose de sofrimento, de depressão, de vontade de nem sequer sair da cama, exceto, talvez, até a geladeira, para encher novamente aquele copo.

Assim, para aqueles de vocês que não desfrutam de boa fortuna, que por algum motivo alheio às suas vontades, encontram-se sozinhos, deixo aqui uma pequena seleção de músicas para ouvir na fossa.

Sim, antes que alguém pergunte: o casamento vai bem, obrigado. Simplesmente não aguento mais ouvir o povo falando numa tal de “sofrência” e de um Pablo quando existem opções mais interessantes por aí. Assim, vamos à lista:

Começamos pela mais pop, não tão depressiva, capaz de enganar um ouvinte destreinado que não entenda muito bem o inglês. Avisamos que a coisa vai piorar.

Apesar da batida forte dos Stones, essa música fala sobre a separação definitiva e o luto.

Uma voz suave, pra quando bate a boa saudade…

Essa e a seguinte, ambos do Aerosmith (única repetição na lista) foram feitas para aqueles que foram deixados e estão inconfomáveis

Adele. Precisa explicar o motivo dela estar na lista?

Para aqueles que gostariam de ter um tempinho a mais…

Quem nunca, num dia bom, ficou depressivo ao ver antigas fotos?

Quem nunca precisou esconder as lágrimas e fingir ser forte?

Essa é para ser enviada para o amigo que insiste em mandar esquecer a mulher, mas você tem a certeza plena de que ela é “A Mulher” .

O “pai” do gênero!

Pra fechar com chave de ouro: música foda de um filme mais foda ainda. Quem não chorou nesta cena simplesmente não viu o filme. Sem discussões.

A Vida de Joe

Constantemente, Joe desejava que sua vida fosse um livro. “A Vida de Joe”.

Poderia ser de qualquer gênero. Se fosse uma fantasia medieval, Joe seria um jovem mago em busca de iluminação e poder sobre a natureza. Ou um já velho, pesaroso sobre os erros pretéritos. Talvez fosse um guerreiro bárbaro, em busca de aventuras nas cidades civilizadas. Poderia também ser um nobre, destituído de suas posses, sem nada além de memórias da vida de outrora e um forte desejo de vingança.

Poderia ser um livro noir, no qual ele seria um detetive em fim de carreira, arrastando para um grande caso envolvendo a máfia por uma linda mulher de cabelos curtos e longas curvas, com um sinal na extremidade direita do lábio e uma voz suave, quase um sussurro, capaz de deixar qualquer homem fora de si.

Poderia ser uma história juvenil, no qual ele viveria altas aventuras com sua turminha da sexta série ao descobrir que o velho zelador era, na verdade, o filho mais velho de um nazista que se refugiou em sua cidade e, hoje, tinha planos terríveis para purificar o local.

Ou, quem sabe no ano de 2125,ele fosse um andróide, meio homem, meio máquina, preso na dualidade de suas naturezas enquanto singra o universo em busca de novos mundos.

Joe também poderia ser um escritor em crise, pressionado pela editora para entregar mais uma obra-prima. Ele iria alugar um quarto de uma velha senhora numa casa num subúrbio qualquer, acabaria se apaixonando pela sobrinha da velha, 12 anos mais nova do que ele (que teria 32) e o romance mal-visto dos dois pela cidade serviria de inspiração para sua maior obra.

Se fosse um livro de terror, Joe seria o monstro. Não porque ele fosse ruim. Em verdade, ele seria um bom rapaz católico do século XVIII que negociaria com os seres das trevas para salvar a vida se sua mãe. Assim, a cada três noites, ele seria possuído pelas entidades malignas, transfigurado e cometeria diversos homicídios. Nada de vampiros homossexuais ou lobisomens sem pelo, por favor.

Se sua vida fosse uma comédia, seria trágica, Joe tinha certeza. Mais do que isso, nesse gênero ele não ousava arriscar palpites.

Joe bem sabia que nem sempre as coisas terminam bem nos livros. Em muitos casos, ele poderia ter um fim trágico ou, vítima da maldição da imortalidade, ver partir todos que um dia amou, até nada restar no mundo, além dele e das baratas. Talvez até a elas ele sobrevivesse. Mesmo assim, seria extremamente confortador saber que sua vida era um livro. Isso implicaria na existência de um escritor, alguém responsável por tudo o que lhe ocorresse. Saberia que sua vida, por mais patética que fosse, teria um sentido, nem que fosse apenas entreter aqueles que o lessem.

Joe, na verdade, tinha uma vida extraordinariamente comum, sem graça. E isso o incomodava demais.

Domingo

Uma cerveja gelada ao meu lado, que não é uma bohemia.
Um computador na minha frente, que não é um computador.
Uma tristeza interior, mais pra melancolia.
Na playlist,Tori Amos e Smashing Pumpkins.
Gatos aos meus pés, nunca serão meu frajuto.
Ao lado, não a veinha, mas uma foto dela.
Do outro, uma estante cheia de revistas e livros que provavelmente não tornarei a ler.

Amanhã, um dia cansativo de trabalho.
Filas, clientes, piadinhas, chefes, demandas.
E ainda me perguntam por que bebo nas segundas.

Sobre sonhos, corações partidos e esperanças

Mais uma vez, errei. Feio demais desta vez.
Mais uma vez, destrocei um coração.
Destroço grande, talvez jamais junte os pedaços novamente.
Mais uma vez, pedi perdão.
Desta vez não me foi concedido, meu erro foi enorme.

Espero, um dia, ser digno de perdão.
Mudarei meu jeito, alterarei minhas manias.
Tentarei ser sempre melhor.
Sonho com um dia em que tudo não será como antes.
Sonho com um dia em que tudo será bem melhor.

No qual descobrimos que canalhas também têm coração

(ele):

“Não sei se posso continuar com isso.
Não é desse jeito que funciona comigo.
Dormi com bastantes mulheres, Já fui ‘amigo de transa’ de algumas.
Isto aqui não é isso.
Não consigo me concentrar.
Tudo que vejo é você,
tudo que posso pensar é no que está vestindo,
no que está pensando,
como fica seu rosto quando goza.
Faz o quê, uma semana?
E parece que quando não estou com você, que estou fora de foco.
Como fez isto comigo?
Estou assustado.
Estou muito assustado.”

(ela):
“Eu também te amo.”

(retirado do episódio “Out of time”, da primeira temporada de Torchwood)

End of time

E é chegado o fim de uma era. Todo esse blog foi escrito durante um período de 4 anos: 1 apaixonado e três namorando com Eugênia Feitosa (que não é mais tão maravilhosa).

Embora existam sim textos feitos para outras pessoas e alguns totalmente ficcionais, seria mentira dizer que os melhores não foram inspirados nela. Assim o foi com o poema que leva seu nome, com os dois textos sobre Jake, boa parte dos demais poemas e quase todas as prosas.

Já faz tempo que não escrevo nada. A baixa produtividade refletia o estado do relacionamento. Já faz um tempo que ele acabou, mas só agora resolvi registrar isso aqui, publicamente. Uma era acaba.

Não vou apagar o blog, nem deletar ou editar textos, eles continuarão aí enquanto o wordpress (site que o hospeda) assim permitir. Uma era acabou. Mas sabe Deus quantas mais ainda se tem pela frente? E disposição para vivenciá-las, enfretá-las, curtí-las, eu sempre terei.

“So, this is the end of a time. Let the next start”

Heart of a drifter

Finalmente, a campainha tocou. Um homem com roupa azul e amarela lhe estendeu um pacote e uma prancheta. Ele assinou o papel contido naquela prancheta, agradeceu e pegou o pacote, abarrotado. Por muito esperara este momento.

Calmamente, dirigiu-se para o balcão da cozinha. Com uma faca, cortou as fitas adesivas que lacravam o pacote. Abriu-o cuidadosamente, já prevendo o que seria. Em um saco plástico, estava um coração humano. O seu coração.

Olhou-o atentamente. Há tanto tempo o dera de presente. Entalhara ele mesmo uma caixa de madeira, adornara-a com brilhantes e fora seu fundo com o mais rubro cetim que encontrara. Na tampa, em uma folha feita da mais suave seda, copiara um poema de William B. Yeats, “Ele deseja os tecidos da noite”. Como fecho para tão esplendoroso estojo, forjara, em sua própria casa, um cravelho do mais puro ouro, com as iniciais dela em baixo-relevo.

Em uma noite apropriada, em que o luar resplandecia languidamente sobre as calçadas, em que saboreavam um doce Cabernet Sauvignon, ele confessara que a amava e entregou-lhe tão especial caixa. “Guardas com cuidado, pois deténs meu coração”, falou, parafraseando Yeats. Uma singela lágrima de felicidade escorria pelo rosto dela. Uma promessa de nunca se separarem foi feita.

O tempo passou, a promessa foi esquecida. Por algo que ele disse, ela replicou com um olhar fustigante, deu-lhe as costas e saiu, a passos fundos, sem nada dizer. Melhor teria sido se o tivesse esbofeteado, injuriado, do que isso.

Hoje, o coração há tanto tempo ofertado retornou. Não da forma como foi entregue. Hoje, o coração já quase não batia, possuía uma coloração escura demais e exalava um forte e repulsivo odor, como se já estivesse em decomposição. Olhando-o bem de perto, ele parecia, em alguns cantos, como se tivesse sido mordido e cuspido de volta. O coração estava em frangalhos.

Após todas essas constatações, essas reminiscências, ele dirigiu-se para a sala. Pegou um copo de vinho, ligou o som e colocou pra tocar soldier of fortune do Deep Purple. Não era a primeira vez que tinham maltratado seu coração. Certamente, não seria a última. Em alguns meses, ele estaria saudável novamente, pronto para ser entregue a outra dama, pronta para ser cuidado por outra pessoa e, então, desprezado e destruído novamente.

— João Octávio Anderson Trindade Boaventura
que já teve o coração destruído mais vezes do que pode contar,
mas que mesmo assim nunca desiste.